quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sono.




A atmosfera do quarto é bem nítida: a disposição das coisas, a familiaridade do cheiro resultante de cigarro, incenso, ração de cachorro e limão, os sons da madrugada e o barulho da manhã, os bichos visitantes e as plantas hóspedes. Às vezes, parecia que o ar brilhava, como nos sonhos.

Havia ali, a despeito da despretensão do meu primeiro contato, a confluência da satisfação de curiosidades, da descoberta de afeição e do compartilhamento de todo tipo de bagagem íntima.

Dentre as inúmeras vezes que dancei e penteei os cabelos em frente ao espelho, me debrucei na janela pra sentir o vento passar ou sacudi a poeira dos móveis e mergulhei naquele micro-caos ao som das músicas que só eu gostava, em nenhuma delas eu esqueci que poderia jamais tornar a estar ali.. por todos os motivos dos quais eu sempre falei e, intuitivamente, pelo não menos previsível absurdo que se deu.

Numa noite, em que o sono mais uma vez teimava em não chegar só pra mim, eu me pus a observar tudo, tentando registrar: como a luz entrava pelas cortinas, quantos objetos de decoração presenteados por mim, a textura inconfundível dos lençóis, a altura dos travesseiros, o pouco espaço que me sobrava na cama... e comecei a acreditar que havia mesmo um pedaço meu ali também, pra você. E que os tais presentes inúteis eram a minha tentativa frustrada de dizer isso.

E daí, eu reparei em você dormindo. E não vi mais o menor sentido em pensar em nada disso. Porque sua respiração engraçada, seu cabelo amassado, suas mãos mais lindas do mundo enfiadas debaixo do rosto e o bico que você só faz quando dorme formavam a imagem que eu, de fato, conseguiria reproduzir com a maior das precisões quando finalmente viesse a falta de me sentir daquela forma.

2 comentários:

Fabs35mm disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fabs35mm disse...

Já te falei que gosto da intensidade de como você escreve...?